O Homo sapiens, durante a maior parte de sua história de caçador-coletor, cujo comportamento o levou a colonizar quase todos os continentes do Planeta, não se deu conta que a variada flora e fauna das diversas regiões faziam parte da natureza marcada pela distinção necessária à adaptação aos ambientes diferentes uns dos outros. O homem percebia que havia diferentes faunas e floras, mas não se preocupava e perguntar-se porque assim era. Em vista dessa atitude não foram poucas as “transferências” de espécies de uma região a outra, medidas que atendiam interesses das tribos e aldeias. Por exemplo, os primeiros a domesticar cavalos foram povos asiáticos, mas europeus adotaram os equinos e os levaram para as estepes do norte de forma que esses acabaram se “aclimatando” por lá e tornaram-se “nativos”. Existem muitos exemplos de plantas e animais transplantados para ambientes estranhos que, em alguns casos, ajudaram na conquista de regiões e construção da civilização, mas nem sempre as transferências foram benéficas.
A partir do século quinze quando as grandes navegações permitiram que exploradores, principalmente europeus, “descobrissem” novas terras e continentes, foi que o quadro de transferência de espécies se tornou mais intenso e, de certa forma, mais nocivo. A Austrália é um exemplo clássico dessa interferência perniciosa dos homens. Durante milhões de anos a “ilha” australiana ficou bastante isolada do resto dos continentes de forma a permitir a evolução de seus próprios animais e plantas. Naquele país, grande parte da flora é única, eucaliptos, por exemplo, são uma espécie de cartão postal da terra, eles estão divididos em centenas de espécies e não são encontrados em outra parte do mundo em estado natural. Todos os mamíferos australianos são marsupiais, bichos que carregam os filhos numa bolsa chamada marsúpio, qualquer mamífero que por lá viva e não tenha marsúpio é excêntrico, veio de outra parte do Planeta. Pois então, durante milhões de anos a flora e fauna únicas se desenvolveram sem interferência humana e a coisa ia muito bem, até que o tal de Homo sapiens (me questiono, por que sapiens?) por lá aportou há duzentos anos e começou introduzir bichos e plantas estranhos. Hoje, sapos-cururus, raposas, porcos, gatos, ratos, camelos, coelhos e algumas plantas alienígenas estão causando o maior estrago ecológico que se tem notícia. Os gados vacum, ovino e equino, não causam maiores problemas porque não saíram do controle humano, não se tornaram selvagens. Os dingos foram introduzidos pelos povos da melanésia há trinta mil anos e também são danosos à fauna nativa até hoje.
No mundo todo há inúmeros exemplos da introdução, principalmente de fauna estranha, que causou desequilíbrio da natureza tal como havia evoluído até então. No Brasil não foi diferente. O javali foi introduzido em criações na Argentina e Uruguai, de onde ingressou no Rio Grande do Sul e progressivamente avança rumo ao norte. A espécie não encontra predadores naturais, uma vez que é exótica, além de cruzar com o porco doméstico, dando origem ao chamado javaporco - neologismo criado para definir esse híbrido, tão ou mais nocivo que o javali. Sua caça e abate são permitidos e até incentivados por órgãos de controle ambiental, como o IBAMA, que em contrapartida procura incentivar a criação da espécie nativa, chamada de queixada, contudo, essa espécie ainda não se encontra em fase de criação comercial. A criação controlada do javali, e de seus híbridos, entretanto, ocorre em diversas fazendas, sobretudo destinada à exportação da carne, que possui alta cotação mercadológica. A carne do javali tem baixo teor de gordura, além de cada animal produzir mais que o porco comum. Segundo um dos últimos estudos a respeito efetuado em 2008, a população de javalis no Brasil estaria em torno de 50.000, distribuídos em menos de 400 criatórios. Em estado selvagem a coisa parece ser muito pior. Estimativas feitas a partir de relatos de caçadores dão conta que em todo o Sul do Brasil, parte do centro-oeste, São Paulo e sul de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia existem grandes concentrações em vários grupos de Javalis de 30 a 40 indivíduos.
O ônus da disseminação descontrolada desse animal vem por conta de seus hábitos alimentares que incluem legumes, tubérculos, cereais, gramíneas e verduras, lembrando que cana de açúcar é uma gramínea e altamente apreciada pelo suíno. As propriedades que cultivam batatas, trigo, feijão, milho e mandioca se veem ameaçadas quando esses animais resolvem atacar a plantações. Como esses bichos terríveis são nômades e de hábitos alimentares noturnos, é difícil prever onde eles estarão em certa época e onde atacarão os cultivares. Mesmo com caça liberada em certas regiões, tem que se levar em conta que os animais são extremamente agressivos, grandes, fortes, rápidos e tem presas poderosas, não se furtando de atacar cães de caça e os próprios caçadores, principalmente quando as fêmeas estão com filhotes. Nem as onças pintadas de nossa fauna são tão perigosas como esses porcos selvagens.
Lembro que na minha cidade natal havia vastas áreas rurais invadidas por esses animais ferozes que faziam festas nas plantações. A medida paliativa para tal nocividade era liberar a caça controlada. Os caçadores faziam-se acompanhar por guardas florestais como ficais e, na companhia de cães adentravam as matas onde quase sempre matavam enormes machos que chegavam a pesar até quinhentos quilos de pura carne. Não que a caça tenha resolvido o problema, mesmo porque, depois de algum tempo os bichos mal humorados eram encontrados em regiões distantes onde antes não os havia. Os javalis continuam a infestar a região sul do país, continuam causando prejuízos aos agricultores e, pelo jeito, enquanto houver áreas onde eles possam procriar, continuarão se reproduzindo e ameaçando conquistar terreno cada vez mais ao norte, até onde, não se pode cogitar. Graças à incúria e falta de sintonia do Homo sapiens com a natureza, grande parte das áreas ocupadas por ele estão “contaminadas” com bichos alienígenas causando transtornos a ecologia. O homem é um rei Midas ao contrário, tudo que toca vira eca. JAIR, Floripa, 05/02/11.