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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A figueira

Figueira mata pau, foto da internet.

Texto publicado no blogue www.jairclopes.blogspot.com em 26/05/11.

Floripa tem como árvore-símbolo uma figueira que, como um marco botânico imponente, encontra-se na praça XV de novembro no centro da cidade desde 1891, aliás, Figueirense, cujo apelido é figueira é um dos dois times de futebol mais importantes da capital. As figueiras são normalmente árvores, do gênero Ficus, família Moraceae. Também são conhecidas como ficus apenas. Há cerca de 800 espécies de figueiras no mundo, especialmente em regiões de clima tropical e subtropical e onde haja presença abundante de água, embora algumas espécies não cresçam muito e permaneçam como arbustos. Outras são trepadeiras, como o Ficus pumila, hera que cobre muitos muros e paredes por aí. Um dos ficus mais interessantes é o mata-pau ou figueira-vermelha que é uma das que se comportam como estranguladoras. Geralmente germinam sobre outras árvores, e crescem como epífitas até que suas raízes alcancem o solo. Então as raízes engrossam, crescem em volta da árvore hospedeira, até que a figueira a sufoca por cintamento e/ou compete com a planta hospedeira na absorção de água do solo e luz solar, e esta acaba morrendo. Seus frutos são vermelhos, pequenos, mas saborosos, pássaros os veem como iguaria irresistível.
Em todos os casos são plantas lenhosas, muitas com caule de forma irregular ou escultural, com raízes adventícias e superficiais, e têm uma particularidade interessante, galhos e raízes podem soldar-se uns nos outros na mesma planta ou até em plantas vizinhas de modo a formar estruturas complexas não encontráveis em outros vegetais. Essa faculdade é explorada com grande proveito pelos criadores de bonsais e por floricultores. No Rio de Janeiro, na rua Miguel Gama, próximo à estação Maria da Graça do metrô, existia uma formação interessante, quatro ficus antigos plantados no canteiro central, fundiram seus galhos maiores formando arcos e aparentado uma só árvore com quatro troncos.
Em qualquer de suas variadas formas essa planta sempre cumpre um belo papel decorativo quando associada ao homem e seus jardins e praças, sua folhagem perene, abundante e fechada permite podas artísticas e de formatos atrativos. Em minha casa térrea eu tinha uma figueira mantida em forma de esfera de um metro e trinta de diâmetro a custa de podas freqüentes e cuidadosas. Além de enfeitar a frente do imóvel era um excelente abrigo para pássaros e insetos, especialmente rolinhas e vespas, estas e aqueles construíam seus ninhos e casas no interior da folhagem.
As flores, normalmente confundidas com frutas, são na maioria dos casos comestíveis, são quase sempre diminutas, unissexuais, reunidas em inflorescências especiais denominadas sicônios, que consistem em um receptáculo fechado, com as flores inseridas no lado de dentro, e um orifício de saída no ápice, ou ostíolo. O figo que comemos e que é apreciado como fruta é um desses sicônios. Esses pseudofrutos são atrativos para certas espécies de vespas que fazem a polinização do vegetal. Os insetos entram no sicônio através do ostíolo com intuito de colocar seus ovos e acabam transportando pólen para outro sicônio. O curioso dessa estratégia de reprodução é que cada espécie de figueira atrai sua própria vespa, ou seja, uma determinada espécie de vespa poliniza apenas uma espécie de ficus e essa espécie só é polinizada por essa espécie específica e nenhuma outra mais.
Mais uma vez no Rio de Janeiro, no Paço Imperial próximo à Praça XV, existem figueiras trazidas da Índia pelos portugueses durante o Império. Pois bem, essas árvores foram ali plantadas, mas não as acompanharam as vespas que poderiam fecundar suas sementes. Durante mais de um século elas continuaram como vieram, produzindo apenas sementes inférteis por falta de vespas que as polinizassem. Por algum motivo que se desconhece, botânicos descobriram na década de setenta do século vinte que existiam algumas mudas nascendo nas proximidades das árvores originais, então surgiu a dúvida de como elas estavam conseguindo se reproduzir. Desconfiam os estudiosos que alguma vespa das que polinizam as figueiras pátrias, se adaptou às árvores indianas e passou a auxiliá-las na reprodução. Mas permanece o mistério, pois não se conhece nenhum caso semelhante na literatura botânica. Pode ser um evento único e explícito de coevolução de curto prazo, árvore e inseto acharam um meio de estabelecerem um consórcio benéfico para ambos. É bom lembrar que um século é tempo desprezível quando se trata de evolução, contudo, enquanto não houver outra explicação, fica valendo que houve um salto evolutivo inusitado entre as figueiras e as vespas no Paço Imperial.
A verdade é que essas plantas são extremamente interessantes sob qualquer ângulo que as examinemos. Trata-se de uma família extensa, variada e adaptada aos mais diversos climas e as mais diversas altitudes e que atrai os humanos desde a mais remota antiguidade. Homens e ficus estão ligados por liames estéticos, alimentares e arquitetônicos durante todo o tempo que dividirem espaços neste querido planetinha azul. JAIR, Floripa, 27/03/11.
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