A geopolítica que comandava os destinos da civilização era a doutrina pelo medo da destruição em massa, era a guerra fria em ação; o sexo fora do casamento ainda era pecado e, às vezes, punível pelas legislações conservadoras vigentes; a família, célula mater da sociedade, era intocável e sagrada, o divórcio era visto como sacrilégio pela igreja; nos países desenvolvidos, carreiras profissionais eram projetadas e seguidas desde a infância pelo filho-objeto dos pais; a “liberdade” consistia em não dizer NÃO ao establishment; ou seja, não se ataca a elite social, econômica e política que controla o conjunto da sociedade; religiões aceitas pelas nações ocidentais eram monoteístas e acomodadas, nem pensar em religiões “exóticas” orientais; música? Só romântica ou regional que não atacasse os valores pétreos de uma sociedade estagnada e silenciosa quanto a questões como racismo, capitalismo selvagem, domínio cultural e colonialismo; roupas, calçados e cabelos eram “certinhos”, não se ousava, não se feria a estética; uso de drogas? Vade retro! Não se discute, não se encara, não se admite, é proibido e pronto!
Esse era o bucólico mundo ocidental na década de sessenta, quando a juventude sentiu-se inquieta e resolveu protestar colocando o dedo na tomada. Roupas estranhas e coloridas, cabelo comprido e rebelde, música berrante de protesto, comportamento civil contrário às ordens vigentes, pavor de guerras e proselitismo de amor livre – make love not war. Palavras de ordem: rasgue seu cartão de alistamento, virgindade dá câncer, queime sutiãs, sinta desprezo pelos bens materiais, viva e deixe viver, não confie em ninguém com mais de trinta anos, tudo que é bom é proibido, imoral ou engorda, use maconha, LSD e haxixe, o psicodelismo está na ordem do dia, é proibido proibir.
Pois bem, o movimento nasceu nos EUA e se alastrou pela Europa, chegando, ainda que com timidez, até a países da cortina de ferro, num crescendo de protestos pacíficos e desobediência que chocalhou a roseira do marasmo das sociedades estabelecidas. O ápice do movimento situa-se em 1968, quando boa parte do mundo ocidental incendiou-se numa cadeia de protestos da França à Índia, passando por quase todos os países da Europa e da Américas. A guerra do Vietnam dava azo para que os jovens se unissem por uma causa comum, corpos cobertos com a bandeira, que chegavam de uma terra distante e desconhecida, eram prova cabal de que alguma coisa muito errada estava acontecendo. As autoridades não podiam ficar inertes para sempre, e mundo nunca mais foi o mesmo, mudou, ainda que não totalmente, a golpes de peace and love.
Por volta da metade da década de setenta, os hippies agora adultos (com mais de trinta anos) viram-se, uns frustrados, outros inconformados, mas todos sem forças para continuar queimando a vela pelas duas pontas, acomodaram-se e não deixaram seguidores. O que existe hoje são artesãos que se dizem Hippies, nada parecido com o que existiu, nada radical como aquela revolução dos costumes. Contudo, as sociedades nunca mais foram as mesmas.
E os hippies para onde foram? Naturalmente, eles também envelhecem. Hoje, sessentões, eles estão por aí, o mais das vezes mesclados à população dita “normal”, aquela que passou os anos sessenta e setenta observando, sem participação ativa nos acontecimentos. Contudo, em certos lugares, os ex-hippies são perfeitamente discerníveis e identificáveis, como em San Diego. Aqui existe um bairro chamado Ocean Beach, OB para os íntimos, que é habitado exclusivamente pelos contestadores daqueles anos loucos. O bairro é típico de pessoas “alternativas”; de gente que optou pela liberdade de comportamento; de gente voltada para uma vida natureba; de gente pouco preocupada com “ter” em detrimento de “ser”; de gente que curte a natureza e educa filhos e netos na direção de um mundo diverso do capitalismo consumista a sua volta; de gente vegetariana e vegana que têm restaurantes próprios voltadas para comidas orgânicas e sem produtos de origem animal.
Um comentário:
Que se faça mais movimentos assim, Jair, porém contínuos nas cabeças e nos corações de todos nós!
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