No tempo de minha escola primária, como eram chamados os primeiros quatro anos do ensino fundamental, o uso do lápis para rascunhos das primeiras letras era obrigatório e necessário. Impensável colocar na mão da criança de sete anos, idade mínima para admissão à escola, uma daquelas canetas-tinteiro que ao menor descuido vazava tinta borrando cadernos e roupas; ou, pior ainda, canetas “de pena”, objetos de madeira com penas substituíveis que requeriam um tinteiro, reservatório potencialmente desastroso para o uniforme dos alunos. Diga-se, a maioria das escolas primárias adotava guarda-pós brancos como uniforme padrão, portanto, uma lambança de tinta nesse caso era uma pequena catástrofe, até porque as mães se descabelavam para manter apresentáveis os trajes formais de seus rebentos.
Pois bem, o lápis era, então, mais do que apenas um acessório próprio para rabiscar as difíceis linhas que formavam letras, que juntas umas as outras de certa maneira, formariam sílabas e palavras, o lápis era a chave mágica que abria o fascinante mundo da alfabetização. Comparável nos dias atuais com o teclado do computador que dá acesso ao mundo da internet, por exemplo. Cilindro de madeira com recheio de grafite, objeto de simplicidade franciscana e barato, permitia que crianças, das mais humildes às mais abastadas, fizessem as primeiras incursões no incrível universo da palavra escrita. Era ele que transmitia ao papel o resultado das intrincadas e recentes conexões dos neurônios, adquiridas pela visão dos símbolos no quadro-negro, e pela audição quando a professora Lair Scheröeder pronunciava os fonemas. Crianças canhestras que éramos, mordíamos a língua enquanto, com esforço visível, comprimíamos a grafite contra o papel muitas vezes roto de tanto ser apagado, porquanto ao modesto lápis dois acessórios eram indispensáveis: uma borracha e um apontador. Nenhum aluno poderia prescindir da borracha macia que fazia desaparecer os enganos abundantes nessas primeiras experiências literárias; nem do apontador menos ou mais sofisticado que tinha a finalidade de permitir que a grafite sobrasse na extremidade do cilindro de madeira de forma a poder atritá-la no papel deixando um rastro no feitio de linha; ainda que o preço do apontamento regular fosse encurtar o lápis até sua quase extinção natural e previsível. Lápis muito curto acabava sendo substituído por um novo, mas essa substituição se dava com maior frequência quanto maior fosse o poder aquisitivo do usuário, alunos pobres usavam-no até quase o fim enquanto os mais ricos faziam-no tão logo o lápis se desgastasse um pouco apenas.
Ao companheiro lápis, tantas vezes mordido na extremidade rombuda com certo nervosismo por não sabermos a resposta; tantas vezes deixado cair do tampo inclinado da carteira e, por isso, ter quebrado a grafite, tendo que ser apontado mais amiúde de modo a consumir-se mais cedo; tantas vezes usado de forma inapropriada como coçador de ouvido ou estilete para furar papel, meus mais sinceros agradecimentos e minha homenagem por tudo que ele representa para a cultura da humanidade, construção da civilização e tudo o que fez por mim. Ao humilde lápis lamento não ser bafejado pelas graças da musa para poder festejá-lo com rimas e métrica como de fato tanto merece. JAIR, Floripa, 03/02/11.
2 comentários:
Bela homenagem ao nosso querido lápis! Sim, Jair, como você bem disse, o lápis é o 'antepassado' mais remoto do teclado.
Sempre tive muitos lápis: pretos, coloridos, para escrever, para desenhar, para pintar... De arte em arte com o lápis, chegamos ao 'paint'!
Aquele abraço, amigo!
Pois é Luiza,
Senti necessidade de homenagear esse tão desprezado objeto que me possibilitou aprender tudo que sei até hoje. Obrigado pelo comentário.
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