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segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sandices botânicas


As leguminosas estendem suas ansiosas gavinhas espiraladas lateralmente com a visível intenção de alcançar incautos vizinhos. Que haveriam de pensar tais plantas com esse gesto? Resposta rápida e tosca: NADA. Plantas não pensam, aliás, nem cérebro tem. Talvez aí resida a origem de suas atitudes estranhas: pelo fato de não possuírem cérebros, não lhes é possível entender que não podem agir com consciência. Então agem, talvez programadas geneticamente para assim procederem, não em decorrência de “decisão” consciente.
No campo mais amplo das florestas, lojisticamentre (de loja, não de logística) falando, a preocupação é mais vis-à-vis, isto é, árvores de porte não estão nem aí para leguminosas e suas gavinhas, elas não querem é ser abatidas para o comércio de suas carnes, as quais os lenhadores e afins costumam chamar de madeira. Pelo fato de lhes faltarem pernas para se distanciarem do machado que as machuca – embora o sândalo, num ato inexplicável, perfume esse instrumento de morte – elas são vítimas contumazes doHomo ignorantus que se autodenomina sapiens, o qual ceifa as maiores, mais robustas e de tronco mais retilíneo para uso em suas construções e malfeitorias madeirais.
Árvores e outros vegetais não têm crenças, não se guiam por supostos saberes religiosos que estabelecem vida depois da morte, mas intuem que existem infernos como o Saara e o Atacama e céu como Amazônia. Sabem por instinto que grandes civilizações botânicas floresceram onde hoje se encontra esses enormes desertos, sabem que densas florestas adornaram regiões que hoje só se vê areia, pedras e camelos. Sonham que algum dia o verdejar de suas folhas ressurjam nos recônditos áridos do Planeta. Sonham que um dia poderão viver em pleno consórcio com animais e minerais sem interferência de homens, que estes certamente já estarão servindo de insumo para suas raízes, pois assim é a ordem estabelecida pela natureza: mortos servem de alimento aos vivos.
Mirtáceas, nonáceas e monocotiledôneas e um amplo espectro de vegetais se unem num só frêmito incontido no intuito de fazerem-se notar na orquestra não fônica do mundo verde. Tais ações estão em completo acordo com o instinto de sobrevivência que é o sentimento comum de todos os seres carboníferos, vale dizer, replicadores e que nascem, crescem e morrem. Nenhuma sandice se os denominarmos de seres vivos. Da sequóia majestática ao humilde alface verde pálido, passando por miríades de árvores, arbustos, gramíneas e cactos o universo vegetativo traduz o que há de mais passivo e vilipendiado nos reinos da natureza. Vegetais sofrem a ação dos animais. Vegetais não lhes podem causar danos por ação direta, mas têm suas armas, se não secretas, pelo menos nem sempre ostensivas, como seus espinhos que são mais incômodos que fatais.
Os venenos produzidos por certas plantas são as armas com menor ou maior potencial de letalidade que elas possuem. Assim, curare e cicuta são duas das mais conhecidas de potentes peçonhas fabricadas pelas plantas, mas existem muito outras mais. Talvez o homem não se dê conta, mas cafeína, substância de baixo potencial peçonhístico, é um dos venenos mais usados pelo Homo desde muito tempo. THC (tetra-hidro-canabinol) veneno contido nas folhas, talos, flores e sementes da Cannabis sativa está associado ao uso de gente que deseja um estado alterado de consciência, mas também cura dores crônicas e tracoma, a chamada maconha é um santo remédio.
À parte essa faceta, digamos pernóstica dos vegetais, existe o lado sem o qual a vida animal no Planeta seria inviável. Plantas nutrem-se dos elementos químicos que retiram do solo, da água e do ar, transformam esses elementos em substâncias mais complexas que servem para nutrir os animais, ou seja, vegetais atuam como laboratórios de transformação cujos produtos finais são o alimento que permitem os animais viverem. Então, dentro da cadeia alimentar os vegetais “ intermedeiam” insumos entre a natureza bruta e o aparelho digestivo requintado dos demais seres. Plantas são repassadoras de energia, em outras palavras. Mas, o que ganham as plantas ao cederem alimentos aos animais? Simples, quando os animais morrem suas substâncias complexas voltam ao estado primitivo através da degradação (putrefação) e os elementos resultantes servem de alimento (adubo) para os vegetais, o ciclo se fecha finalmente.
Ainda existe outro fascinante exemplo de utilidade para as plantas. Chama-se dendrocronologia que é o nome da ciência que se vale do crescimento irregular das árvores para determinar a idade de coisas e eventos. Por exemplo, podemos usar um relógio de anéis de árvores para datar um pedaço de madeira que foi usado na construção de uma casa pioneira, nos primeiros povoamentos efetuados pelos colonizadores portugueses, com precisão de poucos anos. Assim como a existência dos anéis indica crescimento anual, também existem anos piores e melhores, pois as manifestações climáticas variam de ano para ano. O El - ninho, erupções vulcânicas de monta como a do Pinatubo em 1991, invernos rigorosos ou verões muito quentes, fazem com que o crescimento retarde ou acelere. Anos bons, do ponto de vista da árvore, produzem anéis mais robustos que anos ruins. É o padrão de anéis largos e estreitos em uma dada região, causado por uma sequência específica de bons e maus anos, que se tornam uma marca registrada, - uma espécie de impressão digital que rotula os anos exatos que os anéis se formaram. Assim, esses “relógios arbóreos” contribuem para datação da história do sobre a terra e são instrumento extremamente útil e preciso até onze mil anos atrás.
Pois é, tirante a passividade vegetativa do mundo botânico que não permite que ele se defenda dos seus predadores, às plantas nada falta se lhes estiverem disponíveis solos úberes de elementos nutritivos, água de boa qualidade, luz abundante e atmosfera não muito poluída. Os vegetais, via de regra são pouco exigentes e conseguem viver e se reproduzir quase em quaisquer climas, altitudes e meio ambiente deste Planeta, exceção a desertos muito quentes e calotas polares. Se um dia o bicho homem, na sua infinita sabedoria conseguir destruir-se e à maioria dos seres existentes no Planeta, provavelmente sobrará apenas tiririca, digna representante do reino botânico. JAIR, Floripa, 25/01/12.

4 comentários:

Leonel disse...

Pois é, amigo, as tiriricas, com suas radículas ridículas, sobrevivem até a mais meticulosa limpa!
Multiplicam-se onde pensávamos tê-las erradicado.
E persistem como um dos mais teimosos representantes do mundo vegetal!
Abraços, Jair

Shirley Brunelli disse...

Perspicaz e inteligente o seu artigo, Jair. Adorei. Mas, como tudo está em constante evolução, daqui há milênios talvez, os vegetais terão alcançado o reino hominal e então, saberão o que é ter consciência e fazer bom uso dela. Um abraço!

Luísa Nogueira disse...

Jair, quando o 'ser pensante' ou como você bem diz 'homo ignorantus', se der conta que nada é sem os seres vegetais, espero que não seja tarde demais!
Como sempre, aprendemos muito com seus textos, informativos e bem humorados! Mas, se formos chorar pela destruição crescente de nosso meio ambiente, ficaremos apenas chorando. E de braços cruzados! A ganância deixa as pessoas cegas, estúpidas e sem condições para avaliar suas próprias ações! Com bom humor e de forma magistral, você consegue atingir muitos que ainda não se conscientizaram sobre a importância da preservação ambiental! Que venham mais textos conscientizadores, amigo!
Um bom domingo para você, cercado por amigos e familiares!

Nathacha disse...

E minha avó sempre mentindo pra mim, dizendo que elas pensam, tem familía, e sentem dor...Como sentem dor se nao tem cérebro? rsrsr: "Vó você é uma mentirosa".
Quanto ao texto... Muito bem escrito, quanto a ultima parte...

A Tiririca esta por toda a parte inclusive em nosso SENADO... rsrs

Seguindo seu blog querido, tem post novo lá, saiu do forno ontem, seu comentário é fundamental. :)


Dois beijos



By,


Nathacha

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