Texto publicado no blog www.jairclopes.blogspot.com em julho de 2009.
O Aeroporto Internacional de Guarulhos, localizado no bairro de Cumbica daquele município, tem um departamento de zoologia que cuida do controle de animais que podem causar acidentes nas pistas. Esse departamento, a cargo de uma zoóloga, trata de retirar do local os animais potencialmente perigosos para as atividades de pouso e decolagem. Como se faz isso? Primeiro, conhecendo os hábitos dos ditos e usando esse conhecimento, não para eliminar ou prejudicar os bichos e, sim, para deslocá-los para local seguro. Assim, cobras, capivaras, quero-queros, cães, gatos e urubus são apanhados em armadilhas e mudados de endereço, com a intenção que não mais voltem. Quase todos os animais apanhados são soltos em locais ideais e não retornam para a área do aeroporto.
Mas, e os urubus? Aí está um trabalho muito mais difícil de fazer, já que os bichos são territoriais e relutam em adotar outro bioma que não seja aquele a que estão acostumados, e retornam de distâncias de até sessenta quilômetros para o local onde foram apanhados. Para começar, é necessário se conhecer o que é e como vive esse interessante animal. Os urubus, aves da família Cathartidae, primos pobres dos condores, são animais de extrema importância na natureza por serem necrófagos, ou seja, são aves que se alimentam de restos de animais já mortos. Apesar de feioso e com má fama, o urubu tem papel essencial na natureza. Como é um animal necrófago, que se alimenta de carne em putrefação, faz uma espécie de “faxina” nos locais onde vive, pois elimina do meio ambiente a matéria orgânica em decomposição. Contudo, ainda que se alimentem quase exclusivamente de carne em decomposição, não rejeitam carne fresta, o que faz supor que não “preferem” carniça, apenas tem mais facilidade de encontrá-la por motivos óbvios, é claro. Eles são responsáveis pela eliminação de quase a totalidade de carcaças dispostas em um ecossistema, sendo a maioria delas de mamíferos.
No Brasil são conhecidas cinco espécies de urubus: O imponente urubu-rei (Sarcoramphus papa) e o urubu-da-mata (Cathartes melambrotos), que muito raramente são encontrados próximos das áreas urbanizadas, e o urubu-preto (Coragyps atratus), este nosso conhecido nos lixões das cidades; o urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), e o urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus). Apesar de sua importância e abundância, poucas pessoas conhecem seus hábitos, como o comportamento alimentar e a hierarquia social respeitada por essas aves. Os urubus de-cabeça-vermelha e de-cabeça-amarela, normalmente, localizam primeiro a carcaça por possuírem um sentido de olfato mais apurado, sendo então seguidos pelas outras espécies. Para que possam ter uma boa visão de para onde os urubus-de-cabeça-vermelha e de-cabeça-amarela estão voando, as outras espécies procuram atingir grandes altitudes usando com maestria as correntes térmicas para planar, e muitas vezes somem de nossas vistas tornando-se um ponto minúsculo no céu. As correntes térmicas se formam quando o ar frio da atmosfera se aquece em contacto com a superfície terrestre exposta ao sol, tornando-se mais leve e subindo. Este modo de deslocamento permite às aves percorrerem grandes distâncias e permanecerem muito tempo flutuando com um dispêndio mínimo de energia. Essas mesmas correntes são aproveitadas, ainda que de maneira canhestra, pelos pilotos de planadores, os quais se valem de sua força ascensional para ficarem mais tempo no ar. Diferente das demais aves, os urubus não possuem penas em sua cabeça, isso pode ser explicado devido ao fato de se alimentarem de carniça, e essas penas poderiam ser um ponto de contaminação ao entrarem em contato com a carcaça, repleta de microorganismos prejudiciais a sua saúde. Há cientistas dedicados ao estudo do sistema imunológico destes animais para descobrir o segredo da resistência a infecções que parecem possuir.
Outro fato pouco conhecido sobre essas aves, é que existe uma clara organização na hora da alimentação. Esta “hierarquia” pode ser vista na maneira como as outras espécies de urubus se afastam da carcaça com a chegada do urubu-rei, e quando encontram uma pele muito resistente, somente ele é capaz de rasgar esta pele graças a seu bico mais forte que o das demais espécies. Dependendo do tamanho da carcaça, esta poderá alimentar muitos urubus, podendo algumas vezes acontecer uma competição entre eles. Com exceção do urubu-rei, que é afetado com ações do homem, tanto pela destruição de seu habitat como pela captura para tráfico por ser muito vistoso, as demais espécies não possuem predadores naturais e também não são “bonitas” a ponto de serem capturadas, de modo que aumentam sua população de acordo com o crescimento de lixo produzido pela sociedade humana.
Os cientistas ainda não desvendaram totalmente esse mistério, mas acreditam que os urubus degustam comida estragada sem passar mal graças ao seu sistema imunológico e ao potente suco gástrico secretado por seu estômago. Para encontrar a refeição, eles contam com olfato e visão apurados. São capazes de ver um bicho pequeno a três mil metros de altura! Mas os urubus não cantam de galo: eles não têm siringe, o órgão vocal das aves, e só fazem uns barulhos esquisitos chamados de crocitar, na verdade uma espécie de gorgolejo rouquenho. A reprodução dos urubus acontece no início da primavera. Diferentemente da maioria das aves, eles não constroem ninhos em galhos de árvores ou de arbustos. As fêmeas fazem a postura entre rochas escondidas, paredões rochosos e troncos ocos. Normalmente, colocam dois ou três ovos, sendo que o período de incubação varia de 49 a 56 dias conforme a espécie. Os filhotes, ao contrário dos pais, nascem pelados e se tornam totalmente brancos, só passando a ser negros na adolescência. Os pais revezam-se no ninho, ministrando a seus pequenos comida liquefeita regurgitada de seus estômagos; alimentam os filhotes durante meses.
Assim, conhecendo-se o modus vivendi desse útil, meio esquisitão e ecologicamente correto animal, é possível não só afastá-lo dos terminais aéreos, como preservá-lo para continuar fazendo o “trabalho sujo” que a ninguém apraz e que é tão necessário. No Aeroporto de Guarulhos foram capturados 287 animais, que depois de anilhados, foram soltos na serra do mar a oitenta quilômetros de lá. Desses, apenas dois voltaram ao ponto onde foram apanhados, o que prova que é possível livrar-se de seu perigo potencial para a aviação sem lhes causar mal. Homens e urubus podem viver perfeitamente bem, desde que os primeiros entendam e respeitem os segundos. JAIR, Floripa, 13/07/09.
Mas, e os urubus? Aí está um trabalho muito mais difícil de fazer, já que os bichos são territoriais e relutam em adotar outro bioma que não seja aquele a que estão acostumados, e retornam de distâncias de até sessenta quilômetros para o local onde foram apanhados. Para começar, é necessário se conhecer o que é e como vive esse interessante animal. Os urubus, aves da família Cathartidae, primos pobres dos condores, são animais de extrema importância na natureza por serem necrófagos, ou seja, são aves que se alimentam de restos de animais já mortos. Apesar de feioso e com má fama, o urubu tem papel essencial na natureza. Como é um animal necrófago, que se alimenta de carne em putrefação, faz uma espécie de “faxina” nos locais onde vive, pois elimina do meio ambiente a matéria orgânica em decomposição. Contudo, ainda que se alimentem quase exclusivamente de carne em decomposição, não rejeitam carne fresta, o que faz supor que não “preferem” carniça, apenas tem mais facilidade de encontrá-la por motivos óbvios, é claro. Eles são responsáveis pela eliminação de quase a totalidade de carcaças dispostas em um ecossistema, sendo a maioria delas de mamíferos.
No Brasil são conhecidas cinco espécies de urubus: O imponente urubu-rei (Sarcoramphus papa) e o urubu-da-mata (Cathartes melambrotos), que muito raramente são encontrados próximos das áreas urbanizadas, e o urubu-preto (Coragyps atratus), este nosso conhecido nos lixões das cidades; o urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), e o urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus). Apesar de sua importância e abundância, poucas pessoas conhecem seus hábitos, como o comportamento alimentar e a hierarquia social respeitada por essas aves. Os urubus de-cabeça-vermelha e de-cabeça-amarela, normalmente, localizam primeiro a carcaça por possuírem um sentido de olfato mais apurado, sendo então seguidos pelas outras espécies. Para que possam ter uma boa visão de para onde os urubus-de-cabeça-vermelha e de-cabeça-amarela estão voando, as outras espécies procuram atingir grandes altitudes usando com maestria as correntes térmicas para planar, e muitas vezes somem de nossas vistas tornando-se um ponto minúsculo no céu. As correntes térmicas se formam quando o ar frio da atmosfera se aquece em contacto com a superfície terrestre exposta ao sol, tornando-se mais leve e subindo. Este modo de deslocamento permite às aves percorrerem grandes distâncias e permanecerem muito tempo flutuando com um dispêndio mínimo de energia. Essas mesmas correntes são aproveitadas, ainda que de maneira canhestra, pelos pilotos de planadores, os quais se valem de sua força ascensional para ficarem mais tempo no ar. Diferente das demais aves, os urubus não possuem penas em sua cabeça, isso pode ser explicado devido ao fato de se alimentarem de carniça, e essas penas poderiam ser um ponto de contaminação ao entrarem em contato com a carcaça, repleta de microorganismos prejudiciais a sua saúde. Há cientistas dedicados ao estudo do sistema imunológico destes animais para descobrir o segredo da resistência a infecções que parecem possuir.
Outro fato pouco conhecido sobre essas aves, é que existe uma clara organização na hora da alimentação. Esta “hierarquia” pode ser vista na maneira como as outras espécies de urubus se afastam da carcaça com a chegada do urubu-rei, e quando encontram uma pele muito resistente, somente ele é capaz de rasgar esta pele graças a seu bico mais forte que o das demais espécies. Dependendo do tamanho da carcaça, esta poderá alimentar muitos urubus, podendo algumas vezes acontecer uma competição entre eles. Com exceção do urubu-rei, que é afetado com ações do homem, tanto pela destruição de seu habitat como pela captura para tráfico por ser muito vistoso, as demais espécies não possuem predadores naturais e também não são “bonitas” a ponto de serem capturadas, de modo que aumentam sua população de acordo com o crescimento de lixo produzido pela sociedade humana.
Os cientistas ainda não desvendaram totalmente esse mistério, mas acreditam que os urubus degustam comida estragada sem passar mal graças ao seu sistema imunológico e ao potente suco gástrico secretado por seu estômago. Para encontrar a refeição, eles contam com olfato e visão apurados. São capazes de ver um bicho pequeno a três mil metros de altura! Mas os urubus não cantam de galo: eles não têm siringe, o órgão vocal das aves, e só fazem uns barulhos esquisitos chamados de crocitar, na verdade uma espécie de gorgolejo rouquenho. A reprodução dos urubus acontece no início da primavera. Diferentemente da maioria das aves, eles não constroem ninhos em galhos de árvores ou de arbustos. As fêmeas fazem a postura entre rochas escondidas, paredões rochosos e troncos ocos. Normalmente, colocam dois ou três ovos, sendo que o período de incubação varia de 49 a 56 dias conforme a espécie. Os filhotes, ao contrário dos pais, nascem pelados e se tornam totalmente brancos, só passando a ser negros na adolescência. Os pais revezam-se no ninho, ministrando a seus pequenos comida liquefeita regurgitada de seus estômagos; alimentam os filhotes durante meses.
Assim, conhecendo-se o modus vivendi desse útil, meio esquisitão e ecologicamente correto animal, é possível não só afastá-lo dos terminais aéreos, como preservá-lo para continuar fazendo o “trabalho sujo” que a ninguém apraz e que é tão necessário. No Aeroporto de Guarulhos foram capturados 287 animais, que depois de anilhados, foram soltos na serra do mar a oitenta quilômetros de lá. Desses, apenas dois voltaram ao ponto onde foram apanhados, o que prova que é possível livrar-se de seu perigo potencial para a aviação sem lhes causar mal. Homens e urubus podem viver perfeitamente bem, desde que os primeiros entendam e respeitem os segundos. JAIR, Floripa, 13/07/09.
Um comentário:
Os de cabeça amarela e/ou vermelha tem a cabeça desta cor justamente para mostrar aos outros onde está a comida!
Assim, são mais visíveis.
A natureza não mesmo maravilhosa?
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