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domingo, 19 de setembro de 2010

Focas urbanas

Focas de La Jolla.

Foto do autor.

Texto publicado no blog www.jairclopes.blogspot.com em maio de 2010.
Já publiquei texto referente a animais que, sem outra opção, urbanizaram-se para sobreviver. Isto é, na medida em que o progresso humano avança por áreas antes selvagens, os bichos que ali habitam morrem, fogem ou adaptam-se ao novo meio. Assim, aves e mamíferos, principalmente de pequeno porte, são compulsados a partilhar com humanos e suas traquitanas e modus vivendi, completamente exóticos a seres costumados a viver em harmonia com a natureza.
Pois é, aqui em San Diego, Califórnia, num encantador bairro turístico a beira do Pacífico, La Jolla, existe uma praia pequena e bem protegida cujo nome é Piscina das crianças. É de se esperar que crianças habitualmente frequentem o lugar, não é mesmo? Nada mais distante da verdade. A simpática prainha é lar exclusivo de uma população de focas. Diga-se, o litoral sul da Califórnia é formado quase exclusivamente por falésias, com escassas praias de entremeio, razão pela qual as focas aproveitam esses locais para parir e criar filhotes com segurança.
A história é interessante, em 1931, uma milionária viúva de nome Ellen Browning Scripps, preocupada com o lazer e bem estar das crianças do bairro as quais não tinham um pedaço de areia seguro para brincarem, mandou construir um quebra-mar que permitiu o surgimento de uma praia abrigada, de imediato chamada Children’s Pool.
Até aí tudo bem, mas, acontece que as águas da costa sudoeste do País são habitadas por uma espécie de foca a “Mirounga angustirostris”, endêmica dessa região. Essa espécie de mamífero prefere águas não muito frias para procriar e amamentar seus filhotes. A piscina das crianças pareceu às focas o lugar ideal para suas atividades comunitárias, e para ali elas se mudaram de mala e cuia na década de setenta.
E agora José, a praia é dos rebentos humanos ou dos mamíferos marinhos? Já que crianças e focas não podem partilhar a mesma minúscula praia sem prejuízo de ambos, formou-se uma polêmica. Legalmente a praia formada pelo muro foi doada pela viúva Ellen à prefeitura de San Diego para servir de área de lazer às crianças. Mas focas não sabem ler e o mar é seu domínio natural, não há como expulsá-las do próprio lar, e extermínio está fora de cogitação, mesmo porque a Califórnia é o estado americano que mais se preocupa com ecologia; o estado que mais leis aprovou protegendo a fauna e flora da região; como o estado é semi deserto, aqui há leis que premiam com incentivos fiscais empresas e cidadãos que conservam água ou que menos agridem a natureza.
Assim, focas ou crianças? Cidadãos adictos de crianças saltitantes, e cidadãos afeiçoados a focas protegidas encaminharam projetos de leis a favor de umas e outras à instância municipal que, depois de pareceres contraditórios, levou à corte do Estado, a qual enviou a batata quente à Suprema Corte. É, meus amigos, a Suprema Corte sentindo que estava se metendo numa enrascada sem tamanho, devolveu as ações à instância municipal alegando incompetência, isto é, o assunto devia ser resolvido pelos munícipes e seus representantes, nada mais que isso.
Diante disso, em 1998, o juiz Timothy Taylor derrubou duas decisões anteriores de outros juízes que teriam forçado San Diego dispersar as cerca de 200 focas que vivem naquela praia. A cidade já gastou perto de dois milhões de dólares nesta questão, o que inclui um milhão de custas judiciais. A municipalidade destacou que há um sentimento que o juiz tomou a decisão certa nesta controvérsia que já dura anos. Portanto, até o presente momento, as focas continuam na praia e ninguém tem direito de retirá-las, mas os descontentes com a situação querem mudar esse status e reverter a praia às crianças.
Bem típica essa atitude, o Homo sapiens sofre do que se convencionou chamar de síndrome de especismo, conduta que coloca o ser humano em primeiro lugar, mesmo a custa da vida de outros seres se necessário.
Vejamos, para as focas é uma questão de vida ou morte, sem a praia elas poderão não sobreviver, considerando que estão na terceira ou quarta geração nascidas naquele sítio e são essencialmente territoriais. Existem registros escritos de suas presenças nas proximidades há séculos. Já para as crianças, é apenas uma área de lazer que poderá ou não ser utilizada, mesmo porque as águas daquele pedaço do pacífico não são exatamente tépidas como os humanos gostam, pelo contrário, são bastante frias, próprias para focas e seus parentes, os leões marinhos. Ainda mais, as crianças gostam de ver as focas e se comprazem de acompanhar suas atividades diárias.
De qualquer forma, enquanto a estadia dos mamíferos marinhos continuar ali, percebe-se com clareza o contraste entre a sociedade mais urbana e desenvolvida do Planeta com seus carrões estacionados a menos de vinte metros da praia, e a vida primitiva das Miroungas que só querem um cantinho seu para dar prosseguimento seguro a perpetuação de sua espécie. San Diego, 15/05/10.

Um comentário:

Luísa Nogueira disse...

Que vençam as focas! Afinal, o oceano é delas...

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