Blog Coletivo

Blog coletivo - Para colaborar com este blog, veja a página "Como participar".

Amigo seguidor, faça parte da lista "Amigos Lado a Lado nesta Terra". Veja como em "Como participar".

Pesquisas - Nossa primeira pesquisa é sobre o Pau-Brasil. Veja na página Pesquisas e caminhe de mãos dadas com a Terra.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O silêncio das Curuccas


Foto retirada da internet

Texto publicado no blog: www.jairclopes.blogspot.com em março de 2009.
Curucacas (ou Curicacas) são aves do porte de perdizes que vivem nos campos secos e nas matas ciliares da Colômbia à Terra do Fogo, inclusive nos Andes e em quase todo o Brasil. São (ou eram) comuns nos Campos Gerais, como é chamado o segundo planalto paranaense.
Cresci tendo essas aves como familiares e comuns, já que eram avistadas nas proximidades de minha cidade natal no Paraná. A maior parte das aves dessa família possui o bico longo, fino e curvo, lembrando muito a figura da íbis-sagrada dos antigos egípcios. As penas da nuca são mais longas e parecem “despenteadas”, ficando um pouco eriçadas. Possui uma testa clara, quase branca, contrastando com os olhos amarelos. As pernas são alaranjadas ou vermelhas. Comem gafanhotos, aranhas, centopéias, ratos do campo, lagartixas e, sobretudo, cobras, o que lhes confere certa imunidade por parte dos fazendeiros, os quais não costumam perturbá-las por que elas supostamente livram seus campos de serpentes venenosas que poderiam picar o gado. Para apanhar larvas de besouro a ave enfia o bico na terra até a base. Mesmo sapos considerados venenosos para o estômago da maioria dos animais não escapa do apetite da Curucaca. Nidifica sobre árvores ou lajes de rochas no campo e põe cerca de cinco ovos. O casal reveza-se para cuidar dos filhotes que são alimentados por regurgitação.
São aves barulhentas e sua voz forte, do timbre de uma galinha d'angola, acusa logo sua presença nos campos. Era comum ouvi-las antes de vê-las nos campos ao redor de Palmeira onde íamos apanhar gabiroba, ou passávamos com destino às matas ombrófilas catar pinhões, enquanto elas, geralmente empoleiradas nos afloramentos de arenito que são comuns naquelas paragens, faziam algazarra como um bando de crianças despreocupadas.
Por que estou, meio saudoso, falando das Curucacas? Porque essas aves, cujas presenças atestam a boa saúde ecológica do local onde vivem, sumiram, desapareceram, se calaram, não mais se ouve seu canto desafinado e estridente nos campos lindeiros de Palmeira! As Curucacas se foram juntamente com os campos e matas ciliares que lhes davam abrigo, alimento e segurança para reprodução. Toda a região no entorno de minha querida Cidade Clima é hoje dominada pela monocultura de soja. A monocultura, além de ser uma atividade burra porque facilita a proliferação de pragas e obriga o agricultor usar cada vez mais agrotóxicos, é, na maioria das vezes, empreendimento de risco que leva para o buraco o produtor que está atrelado a apenas um produto o qual, cotado nas Bolsas de Cereais, pode, de um dia para outro, sofrer tropeço especulativo ou de forças outras que não apenas do clima ou das leis de mercado, as quais refletem a oferta e procura. Também força a importação de outros alimentos, geralmente mais caros, não produzidos na região porque optou-se pela cultura de apenas uma espécie.
Além desses efeitos, digamos, diretos, existem outros menos claros e imediatos, mas que são mais amplos, nocivos e permanentes para um número maior de pessoas, de animais e plantas nativas: São as modificações ecológicas ruinosas introduzidas no ambiente pela não observância de um mínimo de respeito pela disposição orográfica da região; pela desconsideração com as curvas de nível de modo a permitir assoreamento dos mananciais, rios e regatos da região; pela exterminação sumária das matas ciliares, as quais além de resguardarem às margens dos cursos d’água asseguram ambiente propício à vida a pequenos mamíferos e aves como curucacas e saracuras que, para dizer pouco, são fatores de equilíbrio ecológico porque alimentam-se de insetos e roedores os quais atacam, justamente, as lavouras monoculturais que permitiram sua proliferação. Existe maior estultice que essa?
Hoje, o arroio Monjolo onde uma pequena represa formava o “Tanque dos Cherubins”, no qual toda a garotada da Rua Barão aprendeu a nadar, não existe mais. Foi engolido pelo desmatamento criminoso que destruiu sua mata ciliar. Já o Rio do Pugas, cuja “Cachoeira” foi palco de muitas alegrias da gurizada nas tardes de domingo porque lá iam banhar-se e tomar sol as putas dos “Cedrinhos”, puteiro próximo à linha férrea onde esta é cruzada pela Rua Quinze, hoje se resume a um fiozinho d'água que não faz juz ao riacho de águas claras e muito frias que foi no passado. Os chamados tanques “Quarenta” e "Vinte e cinco” também são apenas lembranças dos mais idosos e saudosos, sumiram para sempre, juntamente com as matas adjacentes, tragados pela ganância monocultural criminosa daqueles que põem os lucros acima da qualidade de vida, seja dos animais e plantas, seja do bicho homem. Lamentável.
O silêncio das Curucacas, para quem quer ouvir, é o grito da natureza pedindo socorro aos homens de boa vontade, únicos que podem fazer regredir esse quadro triste e funesto, quadro este de aridez e morte num dos lugares que foi o mais cheio de vida e formoso dos Campos Gerais. JAIR, Floripa, 06/03/09.

2 comentários:

Luísa Nogueira disse...

Jair, esse seu texto é um grito de alerta. Como as Curucacas, muitas outras aves estão desaparecendo. Desaparecendo porque aqueles que vieram depois delas se multiplicaram tanto que ocuparam seus espaços! Para moradia, alimentação, lazer e exploração (ganância!).

Que mais textos como este cheguem a este blog... A este web-espaço que pretende ser também um alerta! Um alerta contra a estupidez gerada pelo 'querer mais e mais'!

Aquele abraço, amigo de mãos dadas... de mãos dadas contra os desatinos de nossos irmãos que se dizem pensantes!
Luísa

JAIRCLOPES disse...

Obrigado Luiza,
Quero confessar que você é minha mestra, antes eu escrevia sem ter um alvo específico, depois que comecei a ler teus textos no "Multivias" me orientei especificamente em tratar de assuntos que visassem sempre o bem do Planeta. Abraços, JAIR.

Related Posts with Thumbnails